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segunda-feira, 18 de maio de 2015

Queridas palavras,

Costumava dizer que estava bem comigo mesma, que me sentia bem sozinha, que estava completa. Isso porque, naquela época, costumava me sentir exatamente assim.
Infelizmente, as coisas mudaram demais desde então. Fazia tempo que não externalizava a mim mesma em palavras de maneira tão franca, e acho que essa falta contribuiu para minha infeliz metamorfose. Quase como em Kafka, dormi ser humano e acordei inseto - dormi forte e completa e acordei frágil, como se em mim faltasse um pedaço. Não me reconheço mais no espelho, e é aterrorizante; sinto que perdi a mim mesma em algum lugar pelo caminho, nas trilhas que tracei daquele momento até aqui.
Minha destruição começou com um nome e belos olhos castanhos. Me deixei levar por um sorriso que abria portas para um universo de possibilidades, infindáveis como só elas poderiam ser. Me iludi e, de uma hora para outra, eu já não era mais suficiente para me preencher. Havia mais alguém na equação única que representava minha vida. Se antes éramos apenas eu e você, palavras, agora éramos três.
Para variar, amigas e confidentes, os olhos castanhos não tinham a mínima inclinação a encontrar os encantos dos meus. Claro, éramos iguais e diferentes, éramos sinônimos e antônimos; nos merecíamos e, ao mesmo tempo, não merecíamos a ninguém. Não sei porque pensei que poderíamos ser um "nós" mas, no meio da tormenta que se formou entre meus olhos castanhos e os dele, acabei acreditando que algo - o destino, Deus, a vida, o acaso ou minhas palavras - nos aproximaria.
Ah, que tola fui. Já deveria prever que meu destino se traçaria por outra das inúmeras desilusões que esse coração, amante e errante, poderia me proporcionar. Supus que alguém dotado de tantas instabilidades quanto eu deveria ter sido feito por encomenda para preencher aquele vazio que ele mesmo abriu. Estava errada, é desnecessário dizer pois, de outra forma, não estaria aqui para confidenciar a vocês tantas linhas sobre o mesmo ponto final. Ponto final, esse, que já fora descrito em muitas outras linhas, em muitos outros amores, em tantos outros tempos.
A questão é que, minhas palavras, hoje já entendo que meu destino não é traçado pelas mesmas linhas que o dele, e que minhas estrelas, apesar de serem as mesmas que iluminam seu céu noturno, não são vistas sob o mesmo ângulo. Ouso dizer que são poetizadas de modo distinto. Mas o vazio permanece, e, queridas palavras, já não sei quem o preencherá. Queria que surgisse, em meio aos meus travesseiros, aquele predestinado a ser meu "nós", para, então, ver-me livre desse vácuo que os olhos castanhos construíram em mim.
Enquanto ele não vêm, queridas palavras, para substituir o negro olhar que se tornou quase um vício, por favor, me digam o que fazer. Vocês, que sempre foram meu abrigo, e só vocês, saberão o rumo que devo seguir.
Ou, então, o traçarão junto a mim.

Com carinho.