Superar um amor é, por muitas vezes, como livrar-se de um vício; envolve pequenos sacrifícios, mudanças de hábito, dor e longas crises de abstinência. Ainda assim, livrar-se de um querer-ruim é, na maioria arrasadora das vezes, o certo a ser feito; de nada adianta manter algo morto em si, para correr o risco de morrer em vida.
Superar um amor perdido, como um vício, requer que se evite o primeiro gole: nada de entrar no Facebook só para ver se a pessoa está online, nada de olhar pela janela no horário que a pessoa costuma passar em frente à sua casa. Requer essa força de vontade para evitar as pequenas doses de memórias. Você precisa passar pelo fim do roubar-cigarros, pelo cessar de cheirar-o-vinho-alheio. Precisa evitar de ir propositalmente a lugares em que sabe que irá encontrá-la, ou acampar em frente ao emprego da pessoa só para vê-la sair no horário de almoço.
O próximo passo é mais dolorido: evitar as influências alheias. Brigar com aquele seu amigo que, automaticamente, te passa o copo da bebida ou te oferece um cigarro. Parte de se "desviciar" envolve tirar o vício dos seus amigos de pensarem em você como um viciado. Você tem que mostrar a eles que não quer que te mandem fotos novas da pessoa, deem notícias, avisem que a viram na rua. Tem que se convencer de que não quer mais saber do amor passado, para poder convencer seus amigos de que isso é verdade. Aos poucos, eles perceberão que, para você, é melhor que nada seja dito ou perguntado. Sem citações, menções ou afins. Esqueçam, você e aqueles que te rodeiam, que a pessoa existe. Ou, pelo menos, finjam esquecer.
Afaste-se, também, dos demais viciados: pessoas que se queixam em demasia de desilusões amorosas ou que falam demais no maldito cigarro acabam te arrastando novamente às memórias; nesse momento, considere essas memórias como inimigos, se elas não forem negativas ao ponto de se tornarem aliadas. Então, fuja daqueles que te lembram que você ainda ama; queira ao seu lado pessoas bem resolvidas e dispostas a te pôr para cima. É nesse ponto, também, que deve fugir das comédias românticas, das músicas melosas e de textos como esse, que tratam de amor.
Nesse ponto, você já está semi-arrasado. Seu coração ainda está partido, e boa parte da convivência que ainda restava foi cortada. Sinto muito em informar, mas fica pior: você precisa, de uma vez por todas, evitar as altas tentações. Aquela garrafa de Johnnie Walker na prateleira da sala do seu chefe é tentadora, eu sei. Tão tentadora quanto falar com a pessoa pelas redes sociais, invadir seu Facebook para ver as novidades, perguntar aos amigos da pessoa se ela ainda fala de vocês dois. Você jamais esquecerá um amor enquanto se mantiver preso aos macro-detalhes da vida do amado. É difícil, é doloroso; mas, garanto, nada disso é pior do que descobrir, por sua própria curiosidade, que seu amado ama outro alguém. Se isso acontecer, seu coração doerá, e tudo que você mais desejará no mundo é jamais ter procurado. Você correrá de encontro à sua própria destruição, e esse é o momento em que o vício se torna realmente perigoso: larga sua vida, seus amigos, sua família, seu emprego, tudo isso porque descobriu que, ao contrário de você, aquela pessoa a quem ama já superou as águas-passadas. Olhe para uma foto dela no Instagram e seja forte o suficiente para não curtir, mesmo que isso lhe custe noites insones. Pare de colocá-la em cada linha que escreve, em cada música que ouve, em cada pássaro que vê. Pare de vê-la como parte integrante da sua vida: ela não é mais, nem precisa ser. Você tem milhares de partes importantes de vida para se preocupar, e se deterá na única pessoa que não quer estar contigo? Não acha isso um tanto masoquista?
E se nada disso resolver? De duas, uma:
a) Você é incorrigível. O vício te pegou de tal maneira que só a reclusão te ajudará. Tente internar a si mesmo: sair para uma viagem, mudar de ares, fugir da pessoa pelo tempo que for necessário. Superar esse amor será uma tarefa contínua: talvez, depois de anos, ainda terá que controlar seu coração, que sismará em bater mais forte toda vez que vir a pessoa que um dia amou. Será um longo caminho, e nem sempre será fácil continuar em frente. A pergunta é: quer deixar esse amor dominar sua vida, ou quer ser forte o suficiente para ter outros amores que o consumam tanto quanto, mas pelos quais valha a pena lutar?
b) Você não tentou de verdade. Enquanto os outros não viam, você tomou pequenas doses de álcool, fumou meio cigarro, encarou aquela foto por dois segundos a mais, postou uma música que a pessoa gostava de ouvir com você só para tentar relembrar ela dos bons momentos juntos. Viu a pessoa na rua e se permitiu, por alguns instantes, divagar sobre o que poderia acontecer se você desse oi. Permitiu-se secretamente bebericar aquele Johnnie Walker no bico da garrafa; encarou o número dela, pensando em telefonar. Se for assim, terá que começar do início, se não quiser que esse vício te consuma. Permita-se tentar de verdade, ou assuma que é fraco demais para ser feliz.
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