Páginas

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Abra a Porta

Hoje eu passei o dia com o coração apertado. Com sua voz ecoando em minha mente. Com seu sorriso refletindo-se nas paredes de meus olhos fechados. Com a doçura de seus olhos desenhada no escuro do meu quarto. Hoje você se fez presente, mesmo não estando fisicamente próximo. Fez-se presente de maneira suave, despretensiosa. Simplesmente apareceu e ficou, e eu abri as portas para deixar você entrar.
Eu sempre cometo este mesmo erro: deixo entrar quem não retribui a cortesia. E, por mais que eu finja que este não é quase um vício meu - passível, inclusive, de internação - sei que ele me faz sofrer repetidamente, cometendo o mesmo erro que prometi não mais cometer.
E, ora, se não fosse verdade, eu não estaria aqui, escrevendo sobre você.
O que me fere é que você é incapaz de dizer que não. Por ser uma idealização de minha mente, quando eu abro a porta, você entra sem titubear, larga o violão escorado na parede ao lado da porta e retira o casaco. Tira, do bolso, uma carteira de cigarros, mesmo sabendo que dentro do lar de minha mente eu não abrigo a fumaça do teu vício. Entra cantarolando, como se não tivesse nada a perder; e, de fato, não tem. Quem tem a perder sou eu, que acompanho seu cantarolar e encaro seu olhar profundamente hipnótico como se pudesse me perder nele para sempre.
Mas não posso. Porque você não está aqui, não realmente. Eu criei você, deixei que entrasse, tudo para ocultar o fato de que, do outro lado da cidade, você talvez trace algumas linhas sobre outro alguém que, depois, musicalizará para sustentar seu outro vício: ver, em cada ponto negativo, uma poesia passível de ritmo.
E eu continuo te idealizando em minha imaginação. Quase esperando para que o futuro não reservasse, para nós, o que reservou para cada amor que eu já senti.
Provavelmente é exatamente o caminho que seguiremos, você e eu, Eu te deixando entrar em minha vida de mala e cuia. Você, esquecendo dos bons modos e me trancando de fora, para encarar sozinha o cinza inverno que insiste em não acabar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário